E para fechar essa série sobre a categorização NOVA de alimentos, falaremos dos alimentos ultraprocessados. Você sabe o que são?
São produtos feitos principalmente por grandes indústrias, envolvem muitos ingredientes, diversas etapas de desenvolvimento, e em boa parte das vezes não reconhecemos os alimentos “de verdade”, aqueles in-natura ou minimamente processados.
Resumidamente, estão num pacote. No rótulo vemos uma lista enorme de ingredientes, e alguns com nomes estranhos. Salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, macarrão instantâneo, balas, chicletes, sorvetes, chocolates, refrigerantes e bebidas adoçadas, “sucos” em pó ou ainda “néctar” – que de néctar tem só o açúcar mesmo -, cereais matinais, barras de cereais, sopas em pó, pão com aditivos (outros ingredientes além de farinha, sal, água e levedura) ainda que “integrais”, iogurtes (com ingredientes além de leite e levedura), bolos industriais, pipoca de micro-ondas, molhos prontos para salada, hambúrguer, lasanha e outros congelados… a cada semana tem algo novo sendo lançado.
A recomendação é que se evite os ultraprocessados. São desenvolvidos pela indústria por meio de substâncias extraídas de alimentos, derivadas de componentes dos alimentos, ou sintetizadas em laboratório a partir de petróleo e carvão (esses são os corantes, aromatizantes, realçadores de sabor… que medo né?).
Evitar quer dizer não se expor. Não consumir no dia-a-dia mas, caso deseje, esporadicamente. Isso não quer dizer comer com culpa… e essa é uma questão bem sensível. Por isso a importância da informação, pra trazer consciência. Informação sobre como e do que são feitos esses produtos, e seus impactos na nossa saúde, na sociedade e no meio ambiente. Pois é, isso tudo!
Pra iniciar nossa reflexão, vamos falar do ponto de vista social e cultural. Não é fácil concorrer com grandes marcas bilionárias… Por causa de campanhas publicitárias intensas, se não prestarmos atenção acabamos achando que macarrão instantâneo substitui a macarronada de domingo, e que bolinho industrializado é igual ao da nossa avó. Os ultraprocessados impactam negativamente nossa cultura. Porque sim, culinária é cultura! Por meio dela expressam-se saberes e fazeres. É uma das primeiras coisas que perguntamos quando alguém viaja pra um lugar diferente: “e como é a comida?”! O consumo desses alimentos, seja nos lanches ou na substituição das refeições, reduz a diversidade e a influência cultural da nossa alimentação. Reduz ainda o consumo de alimentos in-natura e minimamente processados. A gente pode acabar comendo qualquer coisinha empacotada no caminho de casa, e pular uma refeição compartilhada com pessoas queridas. Os mais jovens são principalmente impactados por esse apelo das guloseimas ultraprocessadas, incluindo aqui refeições industrializadas congeladas. Ainda, a produção dos ultraprocessados favorece latifúndios e monoculturas, e prejudica os pequenos produtores e suas famílias.
Pra ilustrar, vou contar 2 situações distintas de quando morei na Índia, em 2010. Quando pensamos na cultura indiana, já nos vêm à mente as especiarias, cores, e uma culinária bem diferente não é mesmo? Tudo isso encontramos por lá, uma cultura riquíssima que se revela também na culinária. Claro que entrei em contato com tudo isso, e tive a sorte de estar numa vila tibetana, com seus momos e thukpas, pois não me dou muito bem com as pimentas e molhos condimentados! Bem, assim como no Brasil, na Índia tem um monte de vendinhas de guloseimas industrializadas. E sempre me surpreendia em encontrar as mesmas marcas de doces, balas, chocolates, com suas embalagens plásticas coloridas. Puxa, eu estava do outro lado do mundo e via as mesmas coisas que no Brasil! Isso é triste… mas pode também ser confortante. Um dia descobri uma lojinha que vendia uma marca de geleia sem açúcar e (quase) sem aditivos que minha mãe comprava bastante. Foi gostoso comer essa geleia por lá algumas vezes…
Do ponto de vista ambiental, o impacto é devastador. Temos pilhas e pilhas de embalagens descartadas. A demanda por açúcar, óleos vegetais e cereais (transgênicos) molda a agricultura de diversos países, que ao invés de produzir alimentos pra população, produz matéria prima que vai virar produto alimentício de péssima qualidade nutricional e vital. Ademais, temos a manufatura, processamento, distribuição e comercialização, processos que envolvem muitos recursos naturais e longas distâncias… Como o Guia Alimentar aponta, temos poluição e degradação do ambiente, redução da biodiversidade e dos recursos naturais. Complexo né?!
E quanto à nossa saúde? Nesse âmbito a coisa tá mesmo feia pros ultraprocessados… Possuem uma composição nutricional desbalanceada. Se olharmos no rótulo, com frequência os primeiros ingredientes (ou seja, em maior quantidade) são açúcar, óleos e gorduras e amidos. Possuem ainda uma grande quantidade de sal, mesmo que sejam “doces” – ex. refrigerantes. Tendem a ser pobres em fibras, vitaminas e minerais, e também em substâncias orgânicas benéficas pro nosso organismo, os maravilhosos fitoquímicos presentes nos vegetais in-natura ou minimamente processados. O consumo de alimentos ultraprocessados está associado ao sobrepeso, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e outras doenças crônicas não transmissíveis. Pesquisas sobre alimentos e alimentação são bastante desafiadoras do ponto de vista metodológico, mas há fortes evidências deste e outros impactos negativos do consumo dos alimentos ultraprocessados.
E ainda temos os aditivos alimentares. Conservantes, emulsificantes, acidulantes, aromatizantes, corantes… Esses últimos, os corantes, são especialmente nocivos, e estão associados a transtornos do Sistema Nervoso. Pensou nas crianças, com seus cérebros em desenvolvimento e aquele monte de guloseimas industriais? Pois é… Ademais, esses aditivos alimentares sobrecarregam nosso fígado, que precisa metabolizá-los, e também os rins que irão excretá-los. A pele, outro órgão de detoxificação, também é negativamente afetada – pelo olhar das medicinas tradicionais, vemos bastante isso acontecer na clínica. Muitos aditivos não são propriamente metabolizados e excretados, e intoxicam nosso organismo. Afinal, em uma mordida nosso sistema precisa lidar com mais ingredientes do que em uma refeição inteira à base de alimentos in-natura e minimamente processados!
Os aditivos alimentares podem ser conservadores ou transformadores. Os primeiros irão aumentar a conservação do alimento, para que ele aguente uma viagem oceânica e ainda dure na prateleira sem sofrer deterioração… alguns desses são pouco nocivos, como lanolina e ácido cítrico. O pior mesmo são os aditivos transformadores, como corantes e aromatizantes. Já parou pra pensar que o que você está comendo parece ser algo que na verdade não é? Não tem aquele sabor, aquela cor, nem aquela textura? Ou melhor, só tem porque foram adicionados componentes sintéticos?
Pra fechar, os ultraprocessados são hipercalóricos (lembra do excesso de açúcar, gorduras e amidos?), possuem hipersabor (artificial) e texturas especialmente desenvolvidos pra gente querer mais e mais. A forma de apresentação faz com que a gente coma sem atenção, comumente numa quantidade muito maior do que nossa saciedade. E o que falar da vitalidade? Imagina seu corpo recebendo uma manga madura doce e deliciosa. Agora imagina seu corpo recebendo uma bolacha recheada… Como são essas imagens pra você?
Como identificar os ultraprocessados?
Majoritariamente estão num pacote, lata, caixa ou vidro. Se você consultar o rótulo da embalagem, verá uma grande lista de ingredientes. Costuma-se pensar em mais de 5 ingredientes, mas isso é só um norte. Extrato de tomate poderia ter só tomate, não é mesmo? E se tiver tomate, conservante, corante, emulsificante e regulador de acidez? São apenas 5 ingredientes, mas 4 são desnecessários.
Além do número de ingredientes, os ultraprocessados contém ingredientes de uso industrial – os aditivos alimentares que já exploramos. Pra mim, esse é o ponto crucial de identificação, e o principal motivo pelo qual devemos ler rótulos! Esses ingredientes têm nomes estranhos, como: benzoato de sódio, sorbitol, dióxido de silício, polidextrose, maltodextrina, ciclamato de sódio, goma carragena, cloreto de potássio, lecitina de soja, aldeído cinâmico, corante caramelo iv (ou ainda “INS 150d”), amarelo tartrazina…
Por todas essas questões, voltamos à recomendação: evite os ultraprocessados. Com mais informação, podemos fazer melhores escolhas. Inclusive escolher quando, quanto e como iremos consumir um produto ultraprocessado. Porque alguns não são tão nocivos (bora ler rótulo!), e nem só de aspectos racionais são feitas nossas escolhas alimentares.
Ah, se você se interessou por esse tema, recomendo fortemente que assista ao documentário Muito Além do Peso, disponível gratuitamente aqui.