Você sabia que o Brasil é um dos países com maior incidência de ansiedade e depressão no mundo?
Claro que isso não pode ser atribuído somente à esfera individual. Não está fácil viver por aqui, não é mesmo? Crise econômica, social e política; uma cultura de produtividade-exploração que valoriza o “ter” mais que o “ser” ou “sentir”… Tudo isso traz insegurança e um cotidiano frenético, combinação bem nociva pra saúde mental.
Na psiquiatria, ansiedade está dentro da esfera de transtornos relacionados ao medo. É como se fosse um medo, uma apreensão do futuro. Na perspectiva da Medicina Chinesa, a gente pensa em ansiedade vaga ou mais concreta. Vamos aprofundar?
A ansiedade vaga é uma agitação interna que não tem foco, a pessoa não identifica um assunto específico pelo qual ela se sente aflita, ansiosa. Essa condição está mais associada ao Coração, à Consciência. Além de se sentir agitada, a pessoa também está sem foco, com dificuldade de adormecer, um pouco eufórica com os temas do dia a dia, sentindo palpitação… são sinais que remontam ao Sistema do Coração.
Já na ansiedade concreta, a pessoa está projetada em questões específicas, temas, cenários, ambientes, pessoas, ela sabe qual é o tema. Associamos esse cenário ao Fígado e à Alma Etérea. A pessoa está mais impaciente, com irritabilidade, e acorda por volta das 3h da manhã (já aconteceu com você?), e tem também desconfortos digestivos ou menstruais. Esses sintomas já apontam mais para o Sistema do Fígado.
Você se identifica com algum desses cenários nesse momento da sua vida?
Mas nem tudo que chamamos de ansiedade é igual. Esse é um termo da biomedicina, e ao transpor para outras medicinas é preciso entender como ela se manifesta. O que é isso que a pessoa chama de ansiedade? Se não houvesse essa palavra, como ela poderia descrever essa sensação? E como esse conjunto de sensações impacta prejudicialmente a vida da pessoa?
Na perspectiva da Medicina Chinesa, ao pensarmos na ansiedade mais vaga (Coração) e mais concreta (Fígado), ambas se relacionam a Sistemas mais Yang – quer dizer, tendem a aquecer. A ansiedade é esse calorzinho.
Mas o que a biomedicina chama de ansiedade, a Medicina Chinesa amplia: nem sempre é só calor, e pode ter a ver com outros Sistemas corporais além de Fígado e Coração.
Quer entender melhor? Quando falta Sangue a Mente manifesta aspectos mais obscuros e sombrios, os pensamentos tendem a ser negativos, e aí veremos cabelos e unhas fracas, pele seca, tontura, apontando pra essa desnutrição. Esse cenário também pode deixar a Mente mais instável, e a pessoa identificar como “ansiedade” – e é diferente da ansiedade mais característica do Calor. E mais diferente ainda de uma ruminação, tentando incessantemente resolver um problema – aí já se relaciona mais ao Sistema do Baço. Percebe como ganhamos nuances quando ampliamos o olhar pela Medicina Chinesa, e incluímos as sensações?
A partir desse olhar, acho que você consegue deduzir o quanto o tratamento com as Medicinas Tradicionais será mais profundo…
Não basta aliviar os sintomas (“acalmar”), é necessário cuidar do cenário de origem dos sintomas. Por exemplo, tratar a Deficiência de Sangue. Ansiedade, unhas, cabelos, pele, tontura – tudo faz parte de uma mesma condição. Queremos mais saúde e vitalidade!
Idealmente trataremos de forma ampla, para ser o mais efetivo possível. Usamos plantas e fórmulas medicinais, acupuntura e outras terapias corporais, cuidamos da alimentação, do estilo de vida – com gentileza. Afinal, o desequilíbrio está no corpo todo. (Na verdade, transcende o indivíduo, e talvez não haja tratamento que dê conta de rotinas exaustivas e ambientes de trabalho tóxicos…)
Claro que essa abordagem leva um tempo, bons meses, talvez um par de anos.
Parece mais fácil tomar um comprimido duas vezes ao dia, vai saber por quanto tempo, e seguir a vida na mesma toada de sempre, não é mesmo? Mas e aí, dá pra tirar o comprimido depois? Ele tratou o cenário? A causa do desequilíbrio foi cuidada? O que foi conquistado? E é por isso que uma abordagem natural pode ser considerada ineficiente…
No meu dia a dia clínico, acompanho muitas mulheres que se surpreendem com o quanto a paisagem mental pode ser transformada, e que além da Mente o corpo também ganha bem-estar. Me lembro de uma paciente recente, com mais de 50 anos, que chegou com refluxo e queimação importantes, sabor metálico forte na boca, e muito “ansiosa”: preocupada com o filho, acordando à noite, inquieta… Acupuntura e uma única fórmula fitoterápica transformaram a digestão e a Mente. Ela ficou bem surpresa com a capacidade de ver as escolhas do filho de outra forma. O tratamento abre um espaço, e é a pessoa caminha no sentido da transformação. Nesse caso, ela também fez a parte dela. Esse é justamente o caminho que percorremos juntas nas consultas e jornadas: cuidar, ampliar a compreensão, e cultivar.
Sim, um tratamento natural, que busca tratar a causa dos desequilíbrios, e está ancorado nas Medicinas Tradicionais, requer tempo. O tempo do corpo. Um tempo natural que precisamos voltar a conhecer e respeitar.
Aliás, essa é uma das principais chaves para tratar a ansiedade: o corpo, que está sempre no momento presente. Cultivar a presença no corpo é cultivar vitalidade.