Texto de 2012 para Coletivo Curare

A Nicotiana tabacum, conhecida popularmente como tabaco, é uma planta originária das Américas cujo uso, originalmente xamanístico, foi difundido mundialmente.

Flor da Nicotiana tabacum

Quando os colonizadores espanhóis e portugueses chegaram às Américas em 1500, os habitantes indígenas já faziam uso do tabaco desde tempos imemoráveis. As sementes da planta Nicotiana tabacum L. [Solanaceae] foram espalhadas pela Europa, e em algumas décadas o hábito de fumar o tabaco se disseminou e conquistou o mundo. O nome ‘tabaco’ se refere, na realidade, a diversas plantas do gênero Nicotiana, que são nativas do continente americano.

A forma de uso indígena da Nicotiana é variada: o tabaco pode ser inalado, mascado, chupado, na forma de bebida, na forma de enema, além de fumado. No entanto, qualquer que seja a forma de uso indígena, o contexto tradicional é predominantemente xamanístico, sendo esta a planta mais utilizada nas Américas para esta finalidade. O xamanismo, resumidamente, é uma manifestação coletiva de uma determinada sociedade, podendo ser entendido como as técnicas e práticas que o xamã utiliza para acessar informações que serão úteis a um indivíduo ou ao coletivo. Estas informações podem ser sobre uma doença, a respeito do clima e melhores condições para caça ou pesca, sobre o mundo espiritual, dentre outras.

Uso ritualístico da Nicotiana tabacum

Mas o hábito do tabagismo que foi disseminado aos outros povos a partir do século XVI se distanciou do xamanismo e do uso ritualístico desta planta considerada sagrada, e atualmente se soma a isso a busca de lucro por parte da indústria tabagista.

Sabe-se que o cigarro contém diversas substâncias nocivas à saúde, porém é a nicotina a causadora tanto da dependência quanto dos efeitos psicoativos. A nicotina, um alcalóide encontrado nas espécies do gênero Nicotiana, é uma substância de alta toxicidade para os mamíferos, inclusive para os seres humanos. Nos cigarros inalam-se doses baixas, mas a nicotina administrada pela pele, ou até mesmo oralmente, pode ser letal. Por meio do fumo, a nicotina penetra na circulação sanguínea rapidamente, a partir da absorção pelos pulmões, e em poucos segundos atinge o cérebro. A seguir, a nicotina se conecta e ativa receptores nicotínicos de acetilcolina. Esta ativação gera a abertura de canais que possibilitam o fluxo de determinados íons, o que leva a uma alteração elétrica no neurônio. Isso resulta numa cascata de reações bioquímicas que poderão acarretar na liberação de neurotransmissores e regulação da atividade de genes.

Muitos estudos científicos foram realizados com humanos procurando observar os efeitos do uso agudo da nicotina (geralmente por meio de adesivos epidérmicos ou spray nasal) na cognição humana. Há indícios de melhora em atenção e funções relacionadas ao raciocínio e manipulação de informações1. Contudo, não devemos extrapolar os efeitos do uso agudo de nicotina para a situação do tabagismo, em que é feito um uso crônico. Ao se comparar fumantes com não fumantes, os estudos indicam que haja um prejuízo de atenção, memória e tomada de decisão2. Ainda, o tabagismo é uma das dez principais causas de morte de adultos no mundo, e a principal causa de morte evitável3, estando associado a maior prevalência de estresse4, ansiedade5 e depressão5.

Apesar dos danos associados ao tabagismo, as plantas do gênero Nicotiana são peça fundamental nos rituais de diversas culturas, como vimos no caso do xamanismo nas Américas, e seus derivados (além da nicotina há, por exemplo, a harmina, inibidora da enzima MAO) podem ser utilizados em benefício da saúde humana. Ademais, devemos considerar que o uso de substâncias psicoativas é um fenômeno complexo, e que compete ao indivíduo, uma vez que tenha acesso às informações disponíveis sobre determinada substância, exercer a autonomia e cultivar o autocuidado em suas escolhas.

Referências

Antonio RL, Scalco N, Medeiros TA, Soares Neto JAR, Rodrigues E. Smoke of Ethnobotanical Plants used in Healing Ceremonies in Brazilian Culture. In: Rai M, Acharya D, Ríos JL. Current Advances in Ethnomedicinal Plants. Enfield: Science Publisher, 166-191, 2011.

Russo P, Nastrucci C, Alzetta G, Szalai C. Tobacco habit: historical, cultural, neurobiological, and genetic features of people’s relationship with an addictive drug. Perspectives in Biology and Medicine, 54(4): 557-577, 2011.

1 Heishman SJ, Kleykamp BA, Singleton EG. Meta-analysis of the acute effects of nicotine and smoking on human performance. Psychopharmacology, 210: 453-469, 2010.

2 Durazzo TC, Meyerhoff DJ, Nixon SJ. Chronic cigarette smoking: implications for neurocognition and brain neurobiology.  International Journal of Environmental Research and Public Health, 7: 3760-3791, 2010.

3 WHO – World Health Organization. Facts and figures about tobacco. First conference of parties to the WHO framework convention on tobacco, 2006. Disponível em: <http://www.who.int/tobacco/fctc/tobacco%20factsheet%20for%20COP4.pdf>.

4 Parrott AC. Nesbitt’s Paradox resolved? Stress and arousal modulation during cigarette smoking. Addiction, 93(1): 27-39, 1998.

5 Paul RH, Brickman AM, Cohen RA, Williams LM, Niaura R, Pogun S, Clark CR, Gunstad J, Gordon E. Cognitive status of young and older cigarette smokers: data from the international brain database.Journal of Clinical Neuroscience, 13(4): 457-465, 2006.